Apaixonados por estrada, barulho e motor

Romildo Batista, conhecedor profundo das estradas brasileiras, passou para os filhos não somente o amor por jipes e toyotões, mas a engenhosidade e a manha do alongamento

Maria Souza

Romildo e dois tempos: hoje, em sua oficina, e em 2005 disputando competições a bordo de seu jipe (Fotos: arquivo pessoal)

Após cinquenta anos trabalhando como caminhoneiro e rodando o Brasil para garantir o sustento da família, Romildo Batista, 70 anos, decidiu se aposentar das estradas – mas não dos Toyotas, uma paixão antiga. Abriu uma oficina própria em João Alfredo, cidade do Agreste pernambucano, a 105 quilômetros de Recife.  Ali, Ronielson Batista, seu filho, há tempos observava tudo atentamente, iniciando uma formação que se deu quase “naturalmente”. Hoje com 24 anos, ele aprendeu montar e desmontar carros, motores e outros sistemas automotivos. Não foi o único: seus quatros irmãos também herdaram do pai o talento para a mecânica.

Foi por curiosidade e de forma praticamente autodidata que seu Romildo virou especialista no alongamento e mecânica de Toyotas, tornando-se referência na região. Conta feliz histórias de como acompanhou a transição do jipe Wyllis para a Rural e posteriormente para o Toyota Bandeirante. “Acharam que era um veículo mais possante, tudo nele é mais reforçado. Com o alongamento, passou a carregar mais passageiros, por isso se popularizou tanto”, diz. Essa transição teve início em 1954 com a nacionalização do Jeep no Brasil:  a empresa viu a oportunidade de lançar uma versão que oferecia um carro potente para encarar as vias precárias do país e que fosse capaz de transportar toda a família. Começou então a produzir a Rural Willys, que possuía as mesmas características do jipe. 

Ronielson cresceu, ao lado dos irmãos, acompanhando a paixão do pai por carros. Aprendeu com ele a técnica do alongamento (Foto: arquivo pessoal)

De acordo com Ronielson, o processo de alongamento do Toyota Bandeirantes consiste em alterar o chassi original, que depois de cortado ao meio é alongado com a junção de placas metálicas para assim, aumentar a capacidade de transportar passageiros. “No começo o tamanho do chassi era menor, depois foi aumentando para que houvesse mais espaço, também foi colocado mais um par de portas. Só que não deu muito certo porque ficou bastante longo, então o pessoal voltou a optar pelo alongamento de quatro portas. Apesar de existir variações, todos na região seguem esse padrão de tamanho de um metro e vinte”, explica. 

Seu Romildo explica ainda que o alongamento é um processo simples, mas relativamente longo, que demanda em média de três a quatro meses para que o Toyota fique totalmente pronto. “No alongamento, cortamos o chassi original ao meio e o alongamos com placas metálicas, aumentamos o carro em cento e dez centímetros de tamanho, no total. A carroceria é feita na chapa por um lanterneiro de maneira artesanal”. Esse processo de alongamento requer entre dez a quinze profissionais e, depois disso, o veículo precisa passar por uma vistoria no Detran/PE, para conseguir um documento de autorização do transporte de até 12 passageiros. 

Registros do tempo em que Romildo pulava de Jeep pelos circuitos: levou 18 troféus a bordo de seu carro  (Fotos: arquivo pessoal)

A paixão pela mecânica levou pai e filho a diversas disputas de trilhas por cidades no interior de Pernambuco (Caruaru, Gravatá, Bezerros, Garanhuns, Recife) com o Jipe Willys. Seu Romildo chegou a disputar circuitos de competição da Federação Jeep clube Recife, que lhe rendeu dezoito troféus que são seu orgulho.  Ele explica que essa paixão começou cedo: aos 12 anos, aprendeu a dirigir um jipe em uma fazenda da região, transportando ração para bois e vacas.  

Em meados de 1970, começou a dirigir uma Rural, fazendo lotação entre as cidades. “As pessoas alugavam o carro para ir para Surubim, Limoeiro, Bom Jardim. Na época isso custava mais ou menos quinze cruzeiros. Mas muitas vezes ganhávamos vinte ou trinta cruzeiros, dependendo de quantas pessoas iam e voltavam”, relembra.