O motorzão da confecção

Uma das estrelas do polo têxtil do Agreste, os jipões alongados sustentam há décadas a economia de Santa Cruz do Capibaribe. Desde 2019, passou a ser oficialmente Patrimônio Cultural da cidade

Layane Lima

Veículos transportam, além de pessoas, cargas variadíssimas, de manequins a bodes (Foto: Sérgio Lucas)

Passa rolo de tecido, passa manequim de plástico, passa caixote de banana, passa bicho, passa geladeira. Olhar as cargas dos Toyotões em meio às ruas de Santa Cruz do Capibaribe (a 185 quilômetros de Recife e de 55 quilômetros de Caruaru) nos dá a dimensão da utilidade do veículo não só em terras locais, mas em toda região (aliás, ficou famoso o vídeo de um toyotão supercarregado, lembra?). O terceiro maior município do Agreste é um dos principais pólos de fabricação e venda de confecções de Pernambuco – e deve tal posição, é claro, aos veículos compridos. Mais: alguns alongadores de Toyotões são categóricos em afirmar que foi aqui que o carro adaptado nasceu, não em Brejo da Madre de Deus. É treta.

Na entrada da cidade, concentração de veículos é maior ou menor a depender do horário (Foto: Géssica Amorim)

Em Santa Cruz, esses carros, ao contrário de Caruaru, podem circular livremente. Ali, a Cooperativa dos Condutores Autônomos de Transporte Alternativo (CCATA) dispõe de um número de 160 associados que, mensalmente, contribuem com o pagamento de uma taxa no valor de R$ 50 para a manutenção da entidade e a viabilização da legalidade da circulação dos toyoteiros e do transporte de passageiros, além de garantir a organização das escalas de viagem dos motoristas.

Luiz Manoel da Silva, 58, mais conhecido como Lula, trabalha como toyoteiro há mais de dez anos, sempre viajando entre Santa Cruz do Capibaribe e Caruaru. Está hoje à frente da CCATA e defende: os toyotões deveriam receber o título de patrimônio cultural da região: “Está conosco há anos, vem de outras épocas. Carrega todo tipo de bagagem, o dia inteiro. Dificilmente você vê uma encostada, parada”, diz. O desejo de Lula foi atendido: em 4 de abril de 2019, a Toyota se tornou patrimônio local.

Alongadona pronta para seguir viagem a partir de Santa Cruz: disputa com vans e motos é grande, mas há quem prefira somente as Toyotas (Foto: Géssica Amorim)

Sobre a usual tensão que existe entre os motoristas que trabalham com veículos legalizados e os “piratas”, algo presente em todas as cidades visitadas pela reportagem, ele prefere não se manifestar, mas pede por mais atuação do poder público. “Fiscalização. Fiscalização em carro que é de outra área e atrapalha o trabalho de quem paga pelo direito de trabalhar, aqui. Infelizmente, isto está a desejar.” 

A TOYOTA É PARA TUDO E PARA QUALQUER LUGAR 

População da cidade utiliza transporte diariamente, e conta com ele para ver a economia da cidade se movimentar (Foto: Fabiana Moraes)

Lucineide Maria de Nascimento, 47, é casada, tem três filhos, mora em Santa Cruz do Capibaribe e trabalha como auxiliar de serviços gerais numa das escolas municipais da cidade. Mesmo com a variedade de outros tipos de transportes disputando espaço e predileção dos passageiros (vans, motos), ela conta que há mais de 10 anos prefere viajar de Toyota, seja para ir de um bairro a outro ou para os eventos organizados pelo grupo de orações da igreja que frequenta.

Passageira fiel dos toyoteiros, Lucineide conta que as viagens organizadas pela igreja, utilizando as Toyotas, são muito frequentes. Todos os finais de semana, junto aos integrantes do grupo, ela contrata o serviço de algum toyoteiro e segue com mais 11 pessoas do bairro São Cristóvão à igreja onde estiver marcado o evento. “A viagem é comportada, ninguém tira brincadeira e ousadia com ninguém”, comenta. Parece que a brincadeira fica para a viagem de Carnaval: é comum que as Toyotas viajem fretadas para o litoral do estado durante esse período do ano (como vimos no documentário Estou me guardando para quando o Carnaval chegar, que se passa na vizinha Toritama). Lucileide conta que, neste caso, a festa é garantida. A família toda se reúne e toma a praia como destino: “Aí, é só alegria. A gente leva colchão, leva tudo”.

Como dito, os toyotões são populares e queridos dentro da cidade, além de serem parte fundamental da economia de Santa Cruz. A rota Santa Cruz-Toritama-Caruaru é movimentada com manequins e roupas em cima dos carros modificados, junto com os comerciantes e consumidores dentro. Segundo Marcela Araújo, do Sindicato de Lojistas de Santa Cruz Do Capibaribe, “o transporte é de extrema importância para a cidade, o pólo têxtil e o crescimento econômico”. Juliana Oliveira, diretora financeira do Sindecom (Sindicato que representa comércios de bens e serviços de Toritama, Surubim e Santa Cruz), vai mais longe: “o Toyota é o símbolo do interior do estado, do agreste”. Juliana ainda fala do papel dos carros para a mobilidade urbana, dizendo que “Santa Cruz não suportaria uma linha de ônibus, o Toyota faz essas rotas, é muito útil para as pessoas”.

SOBRE A LEI MUNICIPAL

Como meio de preservar a história e importância dos toyotões na cultura local, entrou em vigor no dia 04 de abril de 2019, a Lei 2.985/19 que declara os Toyotas do tipo Bandeirantes como Patrimônio Cultural, Histórico e Econômico em Santa Cruz do Capibaribe. A lei é de autoria do vereador José Carlos da Silva (PP) que explica que o objetivo da mesma é reconhecer e preservar a importância material e cultural do veículo para economia do município. “O Toyota bandeirante escoa nossa mercadoria para as feiras locais. Toda cidade tem sua cultura, em Santa Cruz essa cultura é comercial. Para que nossa economia funcione, os toyotas são indispensavéis”, explica. Ele diz que ainda tramita na câmara outro projeto de lei que objetiva criar uma data para que se possa comemorar o “dia dos toyoteiros” em Santa Cruz do Capibaribe. O projeto ainda não foi aprovado e precisa ser votado e submetido à apreciação do chefe do Poder Executivo.